Em poema, Günter Grass defende Irã e pede inquérito sobre programa
nuclear israelense
O Globo
BERLIM — O escritor e Nobel de Literatura alemão Günther Grass acusou
Israel de ameaçar a paz mundial em poema publicado nesta quarta-feira nos
jornais “Zeitung”, “La Repubblica” e “El País”. No texto, intitulado “O que
deve ser dito”, Grass pede que a Alemanha suspenda a venda de submarinos para o
governo israelense e alerta para o perigo de um ataque contra o Irã, cujo
programa nuclear é criticado pelo Ocidente. O texto virou motivo de polêmica
tanto entre políticos de Tel Aviv, como de Berlim.
“Por que eu só digo agora que o poder nuclear de Israel ameaça a já
frágil paz mundial? Porque isto deve ser dito já que amanhã pode ser tarde
demais”, escreveu o renomado escritor. “E também porque nós — suficientemente
incriminados como alemães — podemos ser cúmplices de um crime sem precedentes”,
acrescentou Grass, afirmando que o Holocausto não deve ser usado como desculpa
para se calar diante da capacidade nuclear de Israel.
Acredita-se que Israel seja o único país no Oriente Médio a ter armas
nucleares, suspeita que o governo nem confirma nem nega. Para o escritor, o
armamento poderia ser carregado em submarinos militares, recentemente vendidos
ao Estado israelense pelos alemães. Apesar do acordo, Berlim alertou na época
para o risco de uma escalada de tensão com o Irã.
Noticiado amplamente pela imprensa israelense, o poema também foi alvo
de críticas na Alemanha, onde qualquer condenação a Israel costuma ser vista
como tabu devido ao massacre de judeus perpetrado na década de 40 pelo regime
nazista. Dieter Graumann, presidente do Conselho Central Judeu na Alemanha,
disse estar “chocado” com o que chamou de “panfleto odioso”.
— Grass quer empurrar para Israel a responsabilidade pelos riscos à paz
mundial. Isso mostra que um autor extraordinário está longe de ser um analista
político extraordinário — criticou Graumann.
O Gabinete da chanceler federal alemã, Angela Merkel, tentou minimizar a
polêmica. Em comunicado, seu porta-voz disse que na Alemanha os artistas têm
liberdade de expressão. O embaixador israelense em Berlim, Emmanuel Nahshon,
rejeitou as acusações de Grass e disse que “os israelenses querem viver em paz
com os vizinhos”.
— É uma tradição europeia acusar os judeus antes da Pessach. Israel é o
único Estado do mundo cujo direito à existência é abertamente questionado —
reclamou o diplomata.
Já o porta-voz de política externa no Parlamento, Philipp Missfelder,
considerou o poema com “erros histórico” e mostrando “desconhecimento da
situação no Oriente Médio”.
Grass ganhou fama mundial com o romance “O tambor”, de 1959. O escritor
e artista plástico de 84 anos virou símbolo de causas da esquerda alemã e
sempre foi um crítico das intervenções militares do Ocidente, como no caso da
Guerra do Iraque. Conhecido como símbolo da geração de alemães que alcançou a maioridade
durante o regime nazista, Grass viu sua fama ser manchada após a revista “Der
Spiegel” publicar, em 2006, documentos que comprovavam sua participação na SS
de Hitler.
Em 2007, o poeta confirmou a história, dizendo que não sabia o que era a
SS até entrar em combate em Dresden. Em um artigo publicado pela “New Yorker”,
ele — que sempre atuou como ativista de esquerda — tentou explicar os motivos
que o levaram a se alistar na Alemanha nazista, quando tinha apenas 17 anos.
Alguns críticos dizem que, desde então, Grass não recuperou sua autoridade
moral.
URL: http://glo.bo/HfSJG5
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